Eu e três caveiras
Josinaldo Medeiros e Isabel Ferreira
Fotografia, brinquedo de caveirão e texto.
Fotografía de Maurício Fidalgo
Eu e três Caveiras
"A partir da foto de Maurício Fidalgo produzida durante a ocupação militar da Maré, a memória salta e a infância debaixo de bala brota feito água na rocha. Baseado numa obra icónica de Joseph Kosuth, Eu e três caveiras é uma tentativa de juntar os fragmentos das lembranças em uma composição. “O menino da foto é um monte de gente da minha geração”. JM
Eu só conhecia o homem do saco, a mulher de branco, o porco com cara de gente e alguns contos fantásticos que viviam no imaginário das crianças que moravam na minha rua. Nunca tive medo do bicho papão, nem da cuca e nem da mula sem cabeça. Na infância o conto que mais me metia medo era o do Caveirão. Passei diversas noites escutando histórias cabulosas de amigos e parentes que haviam sobrevivido a sua passagem.
E foi ali, em uma madrugada de guerra na Maré, deitado no chão frio da cozinha, ouvindo a respiração ofegante da minha mãe e vendo a cara de assustado do meu irmão, que conheci o que o estado chama de "O Pacificador".
Seu som era seco, úmido e geralmente seguido por tiros de grosso calibre, granadas e bombas de diversas fabricações. A voz que saia do auto-falante do blindado era assustadora e acompanhou meus pesadelos durante um bom tempo.
"'Eu vim buscar sua alma"... "Vim para pegar você"... “sai da rua seus filhos da puta!"...
“a bala vai comer!"
Todos os dias eu o aguardava ansiosamente pra poder sentir as pernas tremerem, o coração pular na boca... De certa forma eu gostava daquilo... os tiroteios eram como a chuva depois de uma tarde quente de verão.