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CARTA ABERTA ÀS FAMÍLIAS AFETADAS PELA VIOLÊNCIA POLICIAL NO RIO DE JANEIRO E A TODOS QUE SE INCOMODARAM COM O MONSTRUÁRIO 2016.

Rafucko, 10 de abril 2016

 

Passei os últimos dias lendo, ouvindo, refletindo e falando pouco, em um lugar de escuta sobre os impactos e reações à loja de anti-souvenirs do Rio de Janeiro, o Monstruário 2016. Abro aqui mais um canal de diálogo e esclarecimentos.

O Monstruário 2016 é uma loja de "anti" souvenirs (do francês, "lembrança", "memória") com produtos que estampam a violência do Estado contra a população, seja no extermínio do povo da favela, ou nas remoções forçadas para as Olimpíadas. Há também uma crítica à forma como a mídia noticia isso tudo: uma pequena nota no canto da página principal, não dando a verdadeira importância ao assunto, criminalizando as vítimas da violência policial.

 

A venda é parte importante da obra, por reproduzir/revelar essa lógica comercial e monstruosa que transforma a cidade num parque temático pra poucos enquanto a juventude negra é chacinada. Entendo que a obra cause incômodo: de fato, não é uma piada.

 

É importante dizer que apesar de os produtos serem vendidos, não houve lucro: o dinheiro das vendas serve para pagar a produção dos mesmos, paga com meus honorários da residência artística. O projeto é produto resultante de uma residência artística realizada no mês de março, com outros 11 artistas, sendo 6 moradores de favelas e 6 de outras zonas da cidade. A venda, feita num espaço da Prefeitura, é também uma crítica a como o Estado insiste em vender a cidade do Rio de Janeiro como maravilhosa, mesmo em meio a tanto sangue e tantas dores. Usei o logotipo oficial das Olimpíadas para deixar claro que a memória que se deve levar deste evento é também aquela dos que foram excluídos da grande festa, seja pela remoção de sua casa ou de suas vidas e de entes e amigos queridos.

A imagem do carro fuzilado 111 vezes é emblemática desta violência, e por isso achei que poderia usá-la como símbolo da minha crítica. Não queria, com isso, causar mais sofrimento para pessoas cuja dor eu não posso nem mensurar. Sou homem, branco, de classe média, e não sou alvo direto desta violência. Mas ela me atravessa, como humano. E tenho a consciência de que sou, assim como toda a população, co-responsável por esta dinâmica, pois as balas que saem dos fuzis de policiais são financiadas por nós. Por isso, peço desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas e pelo impacto negativo que isso causou nas famílias que perderam entes queridos. Reconheço que deveria ter havido mais reflexão sobre estes aspectos durante o processo criativo. Espero que ainda assim consigam ver que existe lugar e urgência para todos na luta por direitos humanos e valorização da vida.

 

Apesar do tema central da obra ser a violência de Estado, já que a ampla maioria das vítimas é composta por jovens negros da periferia, não há como abordar essa pauta sem tocar nas feridas abertas do racismo em nossa sociedade. Nesta semana, a PMERJ promoveu mais algumas chacinas no Estado do Rio de Janeiro, matando dezenas de pessoas. A intenção do trabalho era chamar atenção para essa dinâmica naturalizada, mas como a discussão tomou outro viés, resolvi tirar de exposição os "anti-souvenirs" e substituí-los por souvenirs oficiais, e seguir chamando a exposição de "Monstruário", uma vitrine que pretende esconder as monstruosidades praticadas pelo Estado contra a população. Essa questão não devemos perder de vista.

Nesta terça feira, às 16h, haverá um debate sobre todos os trabalhos doComPosiçoes Politicas no Centro Hélio Oiticica e quem teve discordâncias com a minha obra está convidado para falar e me ajudar a refletir sobre como posso usar o meu trabalho de maneira mais efetiva em favor de uma causa que me é tão cara.

Abraços afetuosos,


Rafucko

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